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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O homem nasce bom; e só o bandido morre mau!

A calamidade assumiu o comando de Santa Catarina através da metodologia de enchentes. Mas, a opulência da tragédia que abateu o vale do Itajaí não deve superar a empatia que tradicionalmente blinda os brasileiros. Sentimento, aliás, que emerge dos mais remotos cantos do país. Locais onde inclusive as noções de cidadania são geralmente negligenciadas; como o Presídio Central de Porto Alegre, onde ontem, 4 de dezembro, 4.808 detentos se propuseram a abdicar à alimentação oferecida pelo Estado em prol das vítimas catarinenses. No total, o esforço dos presidiários ofereceu aos flagelados catarinenses mais de 1,6 tonelada de alimentos. A iniciativa dos detentos gaúchos ostenta a aura de um ato inusitado aos olhos de quem se distanciou do verdadeiro conceito de cidadania. Os veículos de comunicação praticamente negligenciaram o fato, que rendeu uma pequena nota no Correio Braziliense do último dia 2. Sinal de que os jornalistas também estão distanciando-se dos valores que fundamentam a função social da profissão; renunciando à possibilidade de estimular o debate acerca do sistema carcerário nacional e o estigma social que reduz a imagem do apenado à figura de um membro excluído a quem é vetada a chance de investir em sua própria recuperação.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Piratas somalis: os emergentes da África

A fome governa a Somália desde 1991, ano em que o país africano perdeu seu comando oficial. Sob o Regime da miséria, a nação assistiu à alienação de sua soberania. E a débil infra-estrutura estatal cedeu espaço à pirataria, atividade considerada subversiva desde a Idade Média, com a qual alguns somalis estão viabilizando a reprodução da economia capitalista.
É no Cabo da Boa Esperança, onde “desbravadores” e traficantes de escravos encontraram abrigo em tempos remotos, que os piratas somalis colhem o fruto que potencializa a construção civil da capital Mogadíscio: os petroleiros, navios cujos resgates oferecem aos novos ricos africanos a chance de erguer mansões sobre os barracos que outrora preenchiam o horizonte poeirento daquele pobre país.
Em 2008, mais de 65 barcos foram atacados pelos piratas somalis no Oceano Índico. E o mais recente alvo foi o superpetroleiro saudita Sirius Star, um dos maiores do mundo. Os seqüestradores, que tomaram a embarcação no dia 16 de novembro, exigem US$ 25 milhões de resgate – ¼ do valor do petróleo transportado pelo navio.
Um representante da ONU foi assassinado na Somália no início do mês. E parece que a situação do país ainda não sensibilizou as autoridades estadunidenses. Talvez nenhum navio da grande nação tenha sido seqüestrado. Ou trata-se apenas de um sinal de que o verdadeiro compromisso do Tio Sam definitivamente não se afina com a defesa da democracia quando o território é a África; seu antigo laboratório farmacêutico.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Obama: seu World é a Internet

A popularidade de Barack Hussein Obama subverteu o ufanismo estadunidense para encarar a crise econômica global. Mas o carisma do novo líder ainda não combinou com as bolsas. Sua imagem ainda pode ser analisada sob a luz dos mecanismos de representação. E, se o estilo de arte Kitsch que o envolveu continuar flertando com o posto de american way of life, o futuro pode exilá-lo no reino dos jogos políticos de alternativas previamente programadas. Aliás, a versão virtual deste universo já foi produzida pela empresa ZenSoft, que acaba de lançar na democrática Internet - canal com que Obama angariou fundos para a sua campanha milionária - o Super Obama Word. Mas os gráficos do novo jogo foram generosos com seu protagonista. Pois, no estágio da Casa Branca, o maior desafio da aventura de governar uma nação do porte dos EUA é não poder contar com mais de uma vida.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Obama: a vitória é do sistema

A indústria cinematográfica estadunidense – sustentada pelos estúdios milionários de Hollywood – empenha-se na construção de um herói negro há anos. E a figura idealizada sempre é atrelada à iconografia política; especificamente ao cargo executivo nacional, em filmes onde geralmente as personagens costumam solucionar racionalmente grandes crises “reais” – econômicas e/ou catástrofes naturais. A história dos Estados Unidos oferece Martin Luther King, o ativista entregue à luta contra a segregação racial que tombou no revolucionário ano de 1968, como referência básica para estes produtos culturais. E, por esta predisposição semiótica, seu vulto serviu ao projeto midiático de exaltação à figura de Barack Hussein Obama; processo reproduzido durante a última campanha eleitoral. Mas Obama transcendeu a comparação, convertendo-se em presidente dos Estados Unidos ao superar efetiva e pacificamente o conservadorismo do adversário e o legado de seu ídolo. Com a vitória, aliás, Obama encarnou a personificação iconográfica do ideal democrático ocidental: a identidade de herói – de carne e osso.
A crise econômica que agita o mercado internacional é um desafio à altura de Hollywood, e do intelecto de Obama. E liderar o esforço para superá-la diplomaticamente pode potencializar o reconhecimento da função referencial dos valores absolutos da nação estadunidense. Ou, parafraseando George Lucas, com Obama, O Império Contra-Ataca!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Nas mãos do povo


O ramo do entretenimento é uma poderosa fonte de relativização de conceitos. Seu mote reduz a complexidade iconográfica de objetos representativos a estereótipos exagerados através do estímulo ao consumo. Uma dinâmica comum aos países onde o liberalismo econômico apresenta-se fantasiado de democracia - o chamado Primeiro Mundo -; territórios em que o marketing empenhado na construção de ícones políticos é facilmente anulado com o apelo humorístico de brinquedos que os ridicularizam. E a mais recente vítima deste impiedoso processo é o Primeiro-Ministro da França, Nicolas Sarkozy. Na semana passada ele perdeu a primeira batalha da guerra judicial que está travando contra a Tear Prod, empresa européia que produziu 20 mil exemplares de um boneco de vodu com o seu rosto. Mas Sorkozy deve recorrer, e continuar tentando impedir a venda do produto – disponível no site amazon.fr.
Para os representantes do Tribunal de Grande Instância de Paris, esta utilização não-autorizada da imagem de Sarkozy não atenta contra a dignidade humana nem constitui um ataque pessoal contra o Primeiro-Ministro. E mais; o juiz, que não teve o nome divulgado, afirma que o brinquedo se inscreve nos limites autorizados da liberdade de expressão e do direito ao humor. Aliás, Sarkozy também deveria rir das agulhadas. Afinal, a França é o berço de um povo que costumava condenavar Reis à guilhotina.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A mobilidade social de um conflito

A regulamentação do mercado de entorpecentes como a maconha é uma alternativa jurídica que potencializaria o amálgama administrativo do Estado brasileiro. Sob o crivo da história, tal medida seria forçada a vestir a máscara bizarra de um movimento contra-revolucionário que sobreviveria em oposição à principal demanda do homem social: a liberdade.
No Brasil, o espírito maniqueísta resumiu o conflito entre governantes e traficantes à polarização, inviabilizando o debate público. Portanto, a oficialização do consumo de drogas representa uma derrota para o Estado, e esse contexto legitima a inversão das funções através de um processo de mobilidade social que converte criminosos em empresários, e reduz o cidadão a consumidor. Legalizar o mercado de entorpecentes, portanto, é uma solução econômica que possivelmente não representará vantagem social.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

As filosofias políticas e o valor do amor

O sistema político-filosófico desenvolvido por Auguste Comte recomendava o amor, por princípio, a ordem, por meio, e o progresso, por fim. O brasileiro Benjamim Constant ousou abreviar este lema, e pariu uma bandeira nacional cujos pobres preceitos foram sublimados pelo regime instaurado em 1964. O amor do glorioso estandarte do Brasil ainda não conseguiu converter-se em ordem, e o seu projeto de progresso assumiu o papel de representar, à luz do céu profundo, a fulguração do florão da América que adormeceu ao som da arrebentação do positivismo nas pedras do mar das idéias tortas.
No áureo século XXI, enquanto os olhos do mundo se abrem ao exemplo de desenvolvimento chinês, os chineses tentam conciliar o projeto de Mao Tse-Tung com o ideal capitalista; mas, superar Confúcio, seria rejeitar o amor. O filósofo que viveu antes de Sócrates ensinou a seu povo as cinco virtudes capitais da humanidade: o amor a todos os homens sem distinção; a justiça que dá a cada qual aquilo que lhe cabe; a observação das cerimônias e dos usos estabelecidos a fim de que todos os que vivem segundo a mesma norma participem das mesmas vantagens e desvantagens; a retidão de ânimo e de coração, que leva a buscar em todas as coisas a verdade, ou desejá-la, sem se enganar e sem enganar a ninguém; e a sinceridade, isto é, o coração franco, que afasta toda dissimulação nos fatos e nas palavras.
O altruísmo de Comte talvez esteja escondido embaixo da linha imaginária que abraça a Terra na altura do Equador. A China, sem Confúcio, alimenta-se de toda a confusão de um sistema que enlata o amor em formato DVD. A Índia libertou-se de seus grilhões com a ajuda de Ghandi, mas hoje oferece sua fé quase que exclusivamente a ídolos religiosos. Com os hippies, os estadunidenses aprenderam a amar; mas nunca esqueceram a guerra. E quem se debruçar sobre a história encontrará outros indícios de que o valor do amor precisa ser restado sob pena de condenar à morte a intuição que sempre sustentou a condição humana. Transformemos, então, o amor em nossa principal bandeira!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Os estigmas de um emergente

O gigante asiático foi despertado à luz do globalizado século XXI sob as atraentes promessas do opulento projeto de desenvolvimento econômico que se alimenta da gordura derramada pelos corpos dourados das batatas fritas e dos hambúrgueres do Mcdonalds. E quem delicia-se com este verdadeiro banquete cultural é o pragmatismo importado do ocidente, que sentou-se confortavelmente à mesa, e, sem fazer cerimônias, está devorando em mastigadas lentas e impiedosas a tradição milenar deste deslumbrado emergente que ousa honrar as convenções de anfitrião. Cedendo educadamente ao apelo competitivo para ruminar o seu sistema de Democracia Socialista, a verdade é uma testemunha de que a China está preparando o estômago para assinar um incoerente e irrevogável contrato com o dragão a quem outrora combateu: o neoliberalismo.
Na terra de Mao Tse-Tung, este é o ano do rato; período astrológico caracteristicamente marcado por poucas guerras e conflitos, menos catástrofes e excelentes resultados em negócios e investimentos à longo prazo. Mas os chineses estão dispostos a brigar, pois vencer os Jogos Olímpicos de Pequim é o caminho mais curto para disseminar, com a ajuda da propaganda, o discurso de que o país desenvolveu um sistema político-administrativo proporcionalmente complexo e poderoso. E, se tudo der certo, talvez o mundo até esqueça-se de que o maior país da Ásia cresce impulsionado pelos mesmos combustíveis que alimentaram a Revolução Industrial do século XIX: a fé no lucro do liberalismo econômico e as nuvens pretas do carvão e da impotência do trabalhador.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O presidente vazio

O discurso nacionalista do presidente Hugo Chávez apresenta-se superficialmente como um ícone idiossincrático. À bem da verdade, suas propostas político-administrativas são sensível e paradoxalmente definidas como neopopulistas ou bolivarianas. Mas a natureza relativa destes ensaios interpretativos é produto da escassez conceitual de referências básicas e universais. Enquanto político, portanto, Chávez não consegue despir a fantasia de artífice do arquétipo demagogo.
Profissionalmente comprometido com o projeto de converter-se em objeto de adoração nacional, no início do mês, o Chávez venezuelano protagonizou uma cena à altura do estilo trapalhão de seu homônimo mexicano. Aliás, preenchendo um espaço público destinado ao debate de questões relevantes à nação com a narração da dificuldade que enfrentou para administrar uma crise de diarréia, o presidente da Venezuela ofereceu ao mundo – talvez sem querer querendo – provas irrefutáveis de que realmente é um político física e ideologicamente vazio.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A musa tecnicolor


A França rendeu-se a magia de uma paixão psicodélica. E a fonte desse sentimento é Carla Bruni, musa que calçou o vermelho-luxúria da fatal Brigitte Bardot, vestiu o branco-paz da eternamente elegante Jackeline Kennedy, e assumiu um amor todo-azul pelo Primeiro Ministro Nicolas Sarkozy, o erudito seduzido pelos prazeres do pop.
Condenados pelo matrimônio a altos níveis de popularidade internacional, o casal Sarkozy tem ótimos resultados a comemorar. Afinal, à Nicolas, o casamento serviu de escada para escalar pesquisas de opinião pública. À Carla, o enlace apresentou-se como o selo que conduziria o seu novo disco ao topo da lista dos mais vendidos da Europa em menos de 20 dias. E ao povo francês, a união viabilizou a materialização da única empatia que nutriam pelos eternos rivais estadunidenses através da possibilidade de consagrar um “indispensável” ícone político: a primeira-dama. Até agora, a italiana naturalizada francesa e o homem de seis cérebros só não agradaram aos colombianos, cujo orgulho nacional foi ferido pelas alusões à cocaína produzida no país em uma referência feita por Bruni na letra da canção “Você é minha droga”, na qual “homenageia” o amado.
Indiscutivelmente satisfeito, Sarkozy pode vangloriar-se por crescer politicamente ao acompanhar uma mulher de 40 anos que encanta pela honestidade de não esconder as sombras de seus 30 ex-amantes. E, se a comparação de sua amada com Jackeline Kennedy parece inevitável, por que não compará-lo ao próprio ex-presidente JFK, que em 1961, quando voltava de uma viagem à França, disse: “Eu sou o homem que acompanhou Jackie”. Pois hoje, na intimidade de seus pensamentos, Sarkozy deve intuir: “Eu sou o homem que acompanha Bruni”.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

As antíteses da coerência instrumental

Os alemães se depararam com um espelho distorcido no despertar do julho de 2008, quando um homem de 41 anos, cujo nome não foi divulgado, decapitou a estátua de cera do ex-ditador nazista Adolf Hitler (registrada pelas lentes de Miguel Villagran, da AP), que se encontrava sentado a uma mesa estrategicamente alojada em uma sala do Museu Tussauds, em Berlim. Gritando “Guerra nunca mais!”, o algoz da estátua valeu-se de um machado para isolar a representação da mais poderosa arma utilizada por um ditador: a cabeça! Mas, como a podridão que emerge de uma infrutífera antítese, a atitude deste artífice da justiça irracional reafirmou o poder simbólico da figura de Hitler, representação que fere seu opositor através do estímulo inconsciente à violência. E a nova vítima da implacável força é a coerência cognitiva, o órgão vital de qualquer proposta ideológica. No tocante à oposição ao nazismo, o organismo deveria nutrir-se de um conceito que vislumbra o processo de mudança através da simbiose discurso/prática. Afinal, reservar à imagem de Hitler uma raiva aniquiladora, capaz de consagrar a dinâmica da força física como instrumento político-administrativo, é metodologicamente igualar-se a ele.
Os sérvios, por sua vez, refletiram os pujantes raios da democracia ocidental com o processo de investigação que culminou na prisão de Radovan Karadzic, o genocida que governou a Bósnia no quadriênio 1992-1996, e atualmente vivia na capital Belgrado sob a identidade falsa de um especialista em medicina alternativa que ensinava técnicas de relaxamento. O julgamento deste psiquiatra, poeta e ex-líder que armou o cerco a Sarajevo no início dos anos 1990, e manteve dezenas de campos de concentração sob a justificativa de promover a “limpeza étnica” da atual Sérvia, atende a uma antiga exigência da União Européia, bloco político-econômico do qual alguns pequenos países da Europa ainda não participam. Em verdade, tal exigência da U.E., ao estabelecer uma condição de negociação desequilibrada e estrategicamente hipócrita, serve para descredenciar os países pouco desenvolvidos através da comprovação de ineficácias administrativas. Mas a Sérvia surpreendeu. E, se Karadzic for entregue ao Tribunal Internacional de Justiça, o jovem país dará um firme passo simbólico no sentido da consagração do regime democrático de direito. E, neste projeto, o próprio Karadzic, enquanto prisioneiro de guerra, assume o papel de instrumento político-administrativo. Afinal, em uma demonstração de eficiência, o novo regime superou as velhas técnicas opressoras do antigo líder desencadeando um processo de captura coerente até no emprego dos dispositivos utilizados para conter os manifestantes pró-Karadzic – a da defesa contra a força do ataque sob a justificativa da manutenção da ordem.

terça-feira, 15 de julho de 2008

O império contra-ataca

Ontem – 14 de julho – a queda da Bastilha fez aniversário. Mas quem ganhou o presente foi a nova Rainha das cervejarias, a empresa belgo-brasileira INBEV. Ao adquirir a tradicional estadunidense Budweiser, após a negociação que preencheu uma agenda de meses, a empresa foi coroada a maior Titã do ramo no planeta. E o seu poder político pode crescer proporcionalmente.
Pela natureza eminentemente empresarial, a nova gigante deve reforçar as alianças com o lucro nos países subdesenvolvidos, mercados onde os vinhos ainda não atraem tanto quanto as loiras geladas. E, como os súditos brasileiros foram apadrinhados pelos paradoxos, a maior cervejaria do mundo possivelmente não encontrará dificuldades para continuar crescendo e enchendo o baú de tesouros no país onde atualmente os motoristas devem submeter-se à tolerância zero do consumo de álcool. Seria este o fruto de uma democracia do sinal verde? Talvez! O certo é que a indiferença continua conduzindo a maioria das campanhas empresariais de responsabilidade social à economia do vermelho.
A autonomia de grande parte dos motoristas brasileiros ainda encontra-se sob a tutela de um dos dois senhores feudais que administram o fértil território: o álcool ou o Estado. Pelas conveniências, a ligação entre interesses políticos e empresariais nem sempre privilegia a legítima independência cognitiva, portanto, cabe aos consumidores promover uma nova e opulenta revolução renascentista. E não será preciso boicotar o consumo; apenas os excessos.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Fome 10; moral 0

O resultado parcial da operação Satiagraha – a prisão e a reincidente liberação de 16 cidadãos brasileiros suspeitos de corrupção e/ou lavagem de dinheiro investigados pela Polícia Federal – é um vaidoso retoque à maquiagem do sorriso petrificado que emudece a vontade geral do modelo administrativo de federação em que o tempero da união é o silêncio. No cardápio deste país, todos os sabores da justiça são servidos em fartos rodízios, e o habeas corpus sempre é o prato principal de quem freqüenta os restaurantes finos, ambientes onde a impunidade – vendida a quilo – é uma sobremesa doce e barata.
O menu midiático nacional oferece doses diárias de apetitosos relatos de corrupção enlatados no vácuo de toda a sua complexidade. Mas quem paga a conta pela amarga condescendência do judiciário com a receita da elite é o povo. E a inflação do plano econômico “sensação de impotência Real”, que desvaloriza o câmbio dos cumprimentos aos bons garçons do judiciário, ironicamente sustenta o mercado dos cozinheiros do Supremo Tribunal Federal. E diante da baixa oferta de punição para consumidores do Tipo A, o hábito alimentar de engolir a seco constitui-se no nutriente básico do letárgico quadro clínico do civismo nacional. Afinal, é difícil reivindicar com a garganta arranhada e os ouvidos irritados pelos gritos da barriga. E talvez seja por isso que os argentinos batem em panelas!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Lei Seca: uma boa idéia?


Adotada pelo casal Estado/Nação, que vive um relacionamento aberto – democraticamente fantasioso –, a Lei Seca cresceu com a referência negativa de pais que já não discutem as crises da relação. As "brigas" pelo bem comum, que já foram freqüentes, aos poucos cedem espaço à indiferença dos pródigos filhos – os cidadãos –, que, à revelia do papel de conceitos transcendentais de convivência social, amadurecem cedo ao sol das virtudes tortas de interesses particulares. E é travestindo-se de rebento que a Lei Seca pretende gozar de toda a estrutura tropicalmente adaptada de um doce lar da zona sul do Equador: o Brasil.
À bem da verdade, para amadurecer, esta já famosa lei precisa confiar menos na propaganda – notícias que a encaram positivamente como a verdadeira artífice da mudança cultural –, e crer incondicionalmente no milagre do resgate de valores da educação e da família, aceitando que os frutos do processo de mudança, por prudência, devem ser colhidos por todos os lavradores, e que o prazo deste tipo de cultivo é naturalmente longo.
Sozinha, afinada com os mecanismos de opressão, fria aos apelos de um contexto politicamente confuso, e distante de um aparato instrumental capaz de estimular a pureza da responsabilidade – como a filosofia da educação –, a Lei Seca perde a chance de ser melhor! Estatisticamente, seus resultados agradam. Mas o que ainda incomoda os espíritos verdadeiramente democráticos é a metodologia, fundada pela triste necessidade da vigilância integral. Fator que, embora não justifique um movimento de reivindicação pelo seu fim enquanto dispositivo, choca justamente por denunciar uma realidade onde a maturidade da autonomia dos deveres sociais ainda é julgada – e não desenvolvida – pela dinâmica de um Estado que multiplica seu poder omitindo-se do legítimo papel de estimular a emancipação dos sujeitos. E é esta disfunção, aliás, quem alimenta as justificativas à resistência de opor-se à lei simplesmente para garantir o direito de dirigir após beber; atividades cuja “coligação” é naturalmente condenada pela lógica.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

À luz da força


A frase “a voz do povo é a voz de Deus”, de autor desconhecido, certamente nasceu sob o signo da democracia representativa. Portanto, podemos intuir que ela não existia antes do século XVII, a exemplo da fotografia. Enquanto discurso, no entanto, o fisicamente silencioso produto da máquina, ao subverter-se à idéia de representar a história em fragmentos, acostumou-se a ecoar berros políticos. Historicamente, foi na batalha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial, que a imagem revelou aos Aliados o potencial bélico da estética. E a mensagem do impacto causado pela representação do hasteamento daquela bandeira estadunidense em solo nipônico é muito simples: uma imagem vale mais do que mil palavras porque o poder tende a converter-se em recompensa para o incansável esforço de esconder-ser à luz.
A famosa foto de Joe Rosenthal, que rendeu um prêmio Pulitzer, não é o registro instantâneo de um momento histórico, mas uma produção artística com forte apelo político. Na verdade, Joe registrou o momento em que, por convenção, os soldados espontaneamente hastearam a bandeira dos Estados Unidos. Mas o tenente-coronel que comandava a tropa decidiu repetir o ato de hasteamento utilizando uma bandeira maior. E Joe e os soldados prontamente acataram a ordem, que tinha dois objetivos políticos: potencializar o discurso estadunidense – através de futuras propagandas de guerra –, e elevar a moral dos soldados que combatiam na ilha asiática. Naquele momento, a foto, através da encenação, transcendeu o seu caráter meramente instrumental de canal de comunicação, assumindo a postura de uma arma de guerra.
No século XXI, a necessidade de adaptação ao ambiente de constante desenvolvimento tecnológico, marcado pela onipresença dos instrumentos a serviço dos veículos de comunicação, forçou os grupos de interesse a promover a renovação das técnicas de conflito, instituindo, como principal dispositivo, a representação doutrinária. Mecanismo, aliás, muito utilizado por grupos contestadores e revolucionários, como o libanês Hamas, que, em abril de 2008, promoveu uma marcha de jovens militares; crianças que empunhavam armas de brinquedo na defesa iconográfica de um modelo político-administrativo potente em sua complexidade. E o ataque daqueles pseudo-soldados ao modelo político ocidental resume-se à conveniente relativização de valores básicos e absolutos – como os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade –, que atende a necessidade de sensibilizar a opinião pública. Esta é, portanto, uma guerra eminentemente mediada e simbólica; um modelo conceitual de conflito que nasceu na Segunda Guerra Mundial, cresceu durante a Guerra Fria, e hoje, amadurecida, instrumentaliza a função social da ideologia e da ética, operacionalizando a demagogia à luz da força midiática.