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quarta-feira, 9 de julho de 2008

À luz da força


A frase “a voz do povo é a voz de Deus”, de autor desconhecido, certamente nasceu sob o signo da democracia representativa. Portanto, podemos intuir que ela não existia antes do século XVII, a exemplo da fotografia. Enquanto discurso, no entanto, o fisicamente silencioso produto da máquina, ao subverter-se à idéia de representar a história em fragmentos, acostumou-se a ecoar berros políticos. Historicamente, foi na batalha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial, que a imagem revelou aos Aliados o potencial bélico da estética. E a mensagem do impacto causado pela representação do hasteamento daquela bandeira estadunidense em solo nipônico é muito simples: uma imagem vale mais do que mil palavras porque o poder tende a converter-se em recompensa para o incansável esforço de esconder-ser à luz.
A famosa foto de Joe Rosenthal, que rendeu um prêmio Pulitzer, não é o registro instantâneo de um momento histórico, mas uma produção artística com forte apelo político. Na verdade, Joe registrou o momento em que, por convenção, os soldados espontaneamente hastearam a bandeira dos Estados Unidos. Mas o tenente-coronel que comandava a tropa decidiu repetir o ato de hasteamento utilizando uma bandeira maior. E Joe e os soldados prontamente acataram a ordem, que tinha dois objetivos políticos: potencializar o discurso estadunidense – através de futuras propagandas de guerra –, e elevar a moral dos soldados que combatiam na ilha asiática. Naquele momento, a foto, através da encenação, transcendeu o seu caráter meramente instrumental de canal de comunicação, assumindo a postura de uma arma de guerra.
No século XXI, a necessidade de adaptação ao ambiente de constante desenvolvimento tecnológico, marcado pela onipresença dos instrumentos a serviço dos veículos de comunicação, forçou os grupos de interesse a promover a renovação das técnicas de conflito, instituindo, como principal dispositivo, a representação doutrinária. Mecanismo, aliás, muito utilizado por grupos contestadores e revolucionários, como o libanês Hamas, que, em abril de 2008, promoveu uma marcha de jovens militares; crianças que empunhavam armas de brinquedo na defesa iconográfica de um modelo político-administrativo potente em sua complexidade. E o ataque daqueles pseudo-soldados ao modelo político ocidental resume-se à conveniente relativização de valores básicos e absolutos – como os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade –, que atende a necessidade de sensibilizar a opinião pública. Esta é, portanto, uma guerra eminentemente mediada e simbólica; um modelo conceitual de conflito que nasceu na Segunda Guerra Mundial, cresceu durante a Guerra Fria, e hoje, amadurecida, instrumentaliza a função social da ideologia e da ética, operacionalizando a demagogia à luz da força midiática.

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