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quarta-feira, 30 de julho de 2008

A musa tecnicolor


A França rendeu-se a magia de uma paixão psicodélica. E a fonte desse sentimento é Carla Bruni, musa que calçou o vermelho-luxúria da fatal Brigitte Bardot, vestiu o branco-paz da eternamente elegante Jackeline Kennedy, e assumiu um amor todo-azul pelo Primeiro Ministro Nicolas Sarkozy, o erudito seduzido pelos prazeres do pop.
Condenados pelo matrimônio a altos níveis de popularidade internacional, o casal Sarkozy tem ótimos resultados a comemorar. Afinal, à Nicolas, o casamento serviu de escada para escalar pesquisas de opinião pública. À Carla, o enlace apresentou-se como o selo que conduziria o seu novo disco ao topo da lista dos mais vendidos da Europa em menos de 20 dias. E ao povo francês, a união viabilizou a materialização da única empatia que nutriam pelos eternos rivais estadunidenses através da possibilidade de consagrar um “indispensável” ícone político: a primeira-dama. Até agora, a italiana naturalizada francesa e o homem de seis cérebros só não agradaram aos colombianos, cujo orgulho nacional foi ferido pelas alusões à cocaína produzida no país em uma referência feita por Bruni na letra da canção “Você é minha droga”, na qual “homenageia” o amado.
Indiscutivelmente satisfeito, Sarkozy pode vangloriar-se por crescer politicamente ao acompanhar uma mulher de 40 anos que encanta pela honestidade de não esconder as sombras de seus 30 ex-amantes. E, se a comparação de sua amada com Jackeline Kennedy parece inevitável, por que não compará-lo ao próprio ex-presidente JFK, que em 1961, quando voltava de uma viagem à França, disse: “Eu sou o homem que acompanhou Jackie”. Pois hoje, na intimidade de seus pensamentos, Sarkozy deve intuir: “Eu sou o homem que acompanha Bruni”.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

As antíteses da coerência instrumental

Os alemães se depararam com um espelho distorcido no despertar do julho de 2008, quando um homem de 41 anos, cujo nome não foi divulgado, decapitou a estátua de cera do ex-ditador nazista Adolf Hitler (registrada pelas lentes de Miguel Villagran, da AP), que se encontrava sentado a uma mesa estrategicamente alojada em uma sala do Museu Tussauds, em Berlim. Gritando “Guerra nunca mais!”, o algoz da estátua valeu-se de um machado para isolar a representação da mais poderosa arma utilizada por um ditador: a cabeça! Mas, como a podridão que emerge de uma infrutífera antítese, a atitude deste artífice da justiça irracional reafirmou o poder simbólico da figura de Hitler, representação que fere seu opositor através do estímulo inconsciente à violência. E a nova vítima da implacável força é a coerência cognitiva, o órgão vital de qualquer proposta ideológica. No tocante à oposição ao nazismo, o organismo deveria nutrir-se de um conceito que vislumbra o processo de mudança através da simbiose discurso/prática. Afinal, reservar à imagem de Hitler uma raiva aniquiladora, capaz de consagrar a dinâmica da força física como instrumento político-administrativo, é metodologicamente igualar-se a ele.
Os sérvios, por sua vez, refletiram os pujantes raios da democracia ocidental com o processo de investigação que culminou na prisão de Radovan Karadzic, o genocida que governou a Bósnia no quadriênio 1992-1996, e atualmente vivia na capital Belgrado sob a identidade falsa de um especialista em medicina alternativa que ensinava técnicas de relaxamento. O julgamento deste psiquiatra, poeta e ex-líder que armou o cerco a Sarajevo no início dos anos 1990, e manteve dezenas de campos de concentração sob a justificativa de promover a “limpeza étnica” da atual Sérvia, atende a uma antiga exigência da União Européia, bloco político-econômico do qual alguns pequenos países da Europa ainda não participam. Em verdade, tal exigência da U.E., ao estabelecer uma condição de negociação desequilibrada e estrategicamente hipócrita, serve para descredenciar os países pouco desenvolvidos através da comprovação de ineficácias administrativas. Mas a Sérvia surpreendeu. E, se Karadzic for entregue ao Tribunal Internacional de Justiça, o jovem país dará um firme passo simbólico no sentido da consagração do regime democrático de direito. E, neste projeto, o próprio Karadzic, enquanto prisioneiro de guerra, assume o papel de instrumento político-administrativo. Afinal, em uma demonstração de eficiência, o novo regime superou as velhas técnicas opressoras do antigo líder desencadeando um processo de captura coerente até no emprego dos dispositivos utilizados para conter os manifestantes pró-Karadzic – a da defesa contra a força do ataque sob a justificativa da manutenção da ordem.

terça-feira, 15 de julho de 2008

O império contra-ataca

Ontem – 14 de julho – a queda da Bastilha fez aniversário. Mas quem ganhou o presente foi a nova Rainha das cervejarias, a empresa belgo-brasileira INBEV. Ao adquirir a tradicional estadunidense Budweiser, após a negociação que preencheu uma agenda de meses, a empresa foi coroada a maior Titã do ramo no planeta. E o seu poder político pode crescer proporcionalmente.
Pela natureza eminentemente empresarial, a nova gigante deve reforçar as alianças com o lucro nos países subdesenvolvidos, mercados onde os vinhos ainda não atraem tanto quanto as loiras geladas. E, como os súditos brasileiros foram apadrinhados pelos paradoxos, a maior cervejaria do mundo possivelmente não encontrará dificuldades para continuar crescendo e enchendo o baú de tesouros no país onde atualmente os motoristas devem submeter-se à tolerância zero do consumo de álcool. Seria este o fruto de uma democracia do sinal verde? Talvez! O certo é que a indiferença continua conduzindo a maioria das campanhas empresariais de responsabilidade social à economia do vermelho.
A autonomia de grande parte dos motoristas brasileiros ainda encontra-se sob a tutela de um dos dois senhores feudais que administram o fértil território: o álcool ou o Estado. Pelas conveniências, a ligação entre interesses políticos e empresariais nem sempre privilegia a legítima independência cognitiva, portanto, cabe aos consumidores promover uma nova e opulenta revolução renascentista. E não será preciso boicotar o consumo; apenas os excessos.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Fome 10; moral 0

O resultado parcial da operação Satiagraha – a prisão e a reincidente liberação de 16 cidadãos brasileiros suspeitos de corrupção e/ou lavagem de dinheiro investigados pela Polícia Federal – é um vaidoso retoque à maquiagem do sorriso petrificado que emudece a vontade geral do modelo administrativo de federação em que o tempero da união é o silêncio. No cardápio deste país, todos os sabores da justiça são servidos em fartos rodízios, e o habeas corpus sempre é o prato principal de quem freqüenta os restaurantes finos, ambientes onde a impunidade – vendida a quilo – é uma sobremesa doce e barata.
O menu midiático nacional oferece doses diárias de apetitosos relatos de corrupção enlatados no vácuo de toda a sua complexidade. Mas quem paga a conta pela amarga condescendência do judiciário com a receita da elite é o povo. E a inflação do plano econômico “sensação de impotência Real”, que desvaloriza o câmbio dos cumprimentos aos bons garçons do judiciário, ironicamente sustenta o mercado dos cozinheiros do Supremo Tribunal Federal. E diante da baixa oferta de punição para consumidores do Tipo A, o hábito alimentar de engolir a seco constitui-se no nutriente básico do letárgico quadro clínico do civismo nacional. Afinal, é difícil reivindicar com a garganta arranhada e os ouvidos irritados pelos gritos da barriga. E talvez seja por isso que os argentinos batem em panelas!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Lei Seca: uma boa idéia?


Adotada pelo casal Estado/Nação, que vive um relacionamento aberto – democraticamente fantasioso –, a Lei Seca cresceu com a referência negativa de pais que já não discutem as crises da relação. As "brigas" pelo bem comum, que já foram freqüentes, aos poucos cedem espaço à indiferença dos pródigos filhos – os cidadãos –, que, à revelia do papel de conceitos transcendentais de convivência social, amadurecem cedo ao sol das virtudes tortas de interesses particulares. E é travestindo-se de rebento que a Lei Seca pretende gozar de toda a estrutura tropicalmente adaptada de um doce lar da zona sul do Equador: o Brasil.
À bem da verdade, para amadurecer, esta já famosa lei precisa confiar menos na propaganda – notícias que a encaram positivamente como a verdadeira artífice da mudança cultural –, e crer incondicionalmente no milagre do resgate de valores da educação e da família, aceitando que os frutos do processo de mudança, por prudência, devem ser colhidos por todos os lavradores, e que o prazo deste tipo de cultivo é naturalmente longo.
Sozinha, afinada com os mecanismos de opressão, fria aos apelos de um contexto politicamente confuso, e distante de um aparato instrumental capaz de estimular a pureza da responsabilidade – como a filosofia da educação –, a Lei Seca perde a chance de ser melhor! Estatisticamente, seus resultados agradam. Mas o que ainda incomoda os espíritos verdadeiramente democráticos é a metodologia, fundada pela triste necessidade da vigilância integral. Fator que, embora não justifique um movimento de reivindicação pelo seu fim enquanto dispositivo, choca justamente por denunciar uma realidade onde a maturidade da autonomia dos deveres sociais ainda é julgada – e não desenvolvida – pela dinâmica de um Estado que multiplica seu poder omitindo-se do legítimo papel de estimular a emancipação dos sujeitos. E é esta disfunção, aliás, quem alimenta as justificativas à resistência de opor-se à lei simplesmente para garantir o direito de dirigir após beber; atividades cuja “coligação” é naturalmente condenada pela lógica.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

À luz da força


A frase “a voz do povo é a voz de Deus”, de autor desconhecido, certamente nasceu sob o signo da democracia representativa. Portanto, podemos intuir que ela não existia antes do século XVII, a exemplo da fotografia. Enquanto discurso, no entanto, o fisicamente silencioso produto da máquina, ao subverter-se à idéia de representar a história em fragmentos, acostumou-se a ecoar berros políticos. Historicamente, foi na batalha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial, que a imagem revelou aos Aliados o potencial bélico da estética. E a mensagem do impacto causado pela representação do hasteamento daquela bandeira estadunidense em solo nipônico é muito simples: uma imagem vale mais do que mil palavras porque o poder tende a converter-se em recompensa para o incansável esforço de esconder-ser à luz.
A famosa foto de Joe Rosenthal, que rendeu um prêmio Pulitzer, não é o registro instantâneo de um momento histórico, mas uma produção artística com forte apelo político. Na verdade, Joe registrou o momento em que, por convenção, os soldados espontaneamente hastearam a bandeira dos Estados Unidos. Mas o tenente-coronel que comandava a tropa decidiu repetir o ato de hasteamento utilizando uma bandeira maior. E Joe e os soldados prontamente acataram a ordem, que tinha dois objetivos políticos: potencializar o discurso estadunidense – através de futuras propagandas de guerra –, e elevar a moral dos soldados que combatiam na ilha asiática. Naquele momento, a foto, através da encenação, transcendeu o seu caráter meramente instrumental de canal de comunicação, assumindo a postura de uma arma de guerra.
No século XXI, a necessidade de adaptação ao ambiente de constante desenvolvimento tecnológico, marcado pela onipresença dos instrumentos a serviço dos veículos de comunicação, forçou os grupos de interesse a promover a renovação das técnicas de conflito, instituindo, como principal dispositivo, a representação doutrinária. Mecanismo, aliás, muito utilizado por grupos contestadores e revolucionários, como o libanês Hamas, que, em abril de 2008, promoveu uma marcha de jovens militares; crianças que empunhavam armas de brinquedo na defesa iconográfica de um modelo político-administrativo potente em sua complexidade. E o ataque daqueles pseudo-soldados ao modelo político ocidental resume-se à conveniente relativização de valores básicos e absolutos – como os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade –, que atende a necessidade de sensibilizar a opinião pública. Esta é, portanto, uma guerra eminentemente mediada e simbólica; um modelo conceitual de conflito que nasceu na Segunda Guerra Mundial, cresceu durante a Guerra Fria, e hoje, amadurecida, instrumentaliza a função social da ideologia e da ética, operacionalizando a demagogia à luz da força midiática.