A calamidade assumiu o comando de Santa Catarina através da metodologia de enchentes. Mas, a opulência da tragédia que abateu o vale do Itajaí não deve superar a empatia que tradicionalmente blinda os brasileiros. Sentimento, aliás, que emerge dos mais remotos cantos do país. Locais onde inclusive as noções de cidadania são geralmente negligenciadas; como o Presídio Central de Porto Alegre, onde ontem, 4 de dezembro, 4.808 detentos se propuseram a abdicar à alimentação oferecida pelo Estado em prol das vítimas catarinenses. No total, o esforço dos presidiários ofereceu aos flagelados catarinenses mais de 1,6 tonelada de alimentos. A iniciativa dos detentos gaúchos ostenta a aura de um ato inusitado aos olhos de quem se distanciou do verdadeiro conceito de cidadania. Os veículos de comunicação praticamente negligenciaram o fato, que rendeu uma pequena nota no Correio Braziliense do último dia 2. Sinal de que os jornalistas também estão distanciando-se dos valores que fundamentam a função social da profissão; renunciando à possibilidade de estimular o debate acerca do sistema carcerário nacional e o estigma social que reduz a imagem do apenado à figura de um membro excluído a quem é vetada a chance de investir em sua própria recuperação.
A teoria recomenda o debate das idéias. E a prática consagra quem legitima as suas forças.
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sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Piratas somalis: os emergentes da África

É no Cabo da Boa Esperança, onde “desbravadores” e traficantes de escravos encontraram abrigo em tempos remotos, que os piratas somalis colhem o fruto que potencializa a construção civil da capital Mogadíscio: os petroleiros, navios cujos resgates oferecem aos novos ricos africanos a chance de erguer mansões sobre os barracos que outrora preenchiam o horizonte poeirento daquele pobre país.
Em 2008, mais de 65 barcos foram atacados pelos piratas somalis no Oceano Índico. E o mais recente alvo foi o superpetroleiro saudita Sirius Star, um dos maiores do mundo. Os seqüestradores, que tomaram a embarcação no dia 16 de novembro, exigem US$ 25 milhões de resgate – ¼ do valor do petróleo transportado pelo navio.
Um representante da ONU foi assassinado na Somália no início do mês. E parece que a situação do país ainda não sensibilizou as autoridades estadunidenses. Talvez nenhum navio da grande nação tenha sido seqüestrado. Ou trata-se apenas de um sinal de que o verdadeiro compromisso do Tio Sam definitivamente não se afina com a defesa da democracia quando o território é a África; seu antigo laboratório farmacêutico.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Obama: seu World é a Internet

quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Obama: a vitória é do sistema

A crise econômica que agita o mercado internacional é um desafio à altura de Hollywood, e do intelecto de Obama. E liderar o esforço para superá-la diplomaticamente pode potencializar o reconhecimento da função referencial dos valores absolutos da nação estadunidense. Ou, parafraseando George Lucas, com Obama, O Império Contra-Ataca!
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Nas mãos do povo

O ramo do entretenimento é uma poderosa fonte de relativização de conceitos. Seu mote reduz a complexidade iconográfica de objetos representativos a estereótipos exagerados através do estímulo ao consumo. Uma dinâmica comum aos países onde o liberalismo econômico apresenta-se fantasiado de democracia - o chamado Primeiro Mundo -; territórios em que o marketing empenhado na construção de ícones políticos é facilmente anulado com o apelo humorístico de brinquedos que os ridicularizam. E a mais recente vítima deste impiedoso processo é o Primeiro-Ministro da França, Nicolas Sarkozy. Na semana passada ele perdeu a primeira batalha da guerra judicial que está travando contra a Tear Prod, empresa européia que produziu 20 mil exemplares de um boneco de vodu com o seu rosto. Mas Sorkozy deve recorrer, e continuar tentando impedir a venda do produto – disponível no site amazon.fr.
Para os representantes do Tribunal de Grande Instância de Paris, esta utilização não-autorizada da imagem de Sarkozy não atenta contra a dignidade humana nem constitui um ataque pessoal contra o Primeiro-Ministro. E mais; o juiz, que não teve o nome divulgado, afirma que o brinquedo se inscreve nos limites autorizados da liberdade de expressão e do direito ao humor. Aliás, Sarkozy também deveria rir das agulhadas. Afinal, a França é o berço de um povo que costumava condenavar Reis à guilhotina.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
A mobilidade social de um conflito

No Brasil, o espírito maniqueísta resumiu o conflito entre governantes e traficantes à polarização, inviabilizando o debate público. Portanto, a oficialização do consumo de drogas representa uma derrota para o Estado, e esse contexto legitima a inversão das funções através de um processo de mobilidade social que converte criminosos em empresários, e reduz o cidadão a consumidor. Legalizar o mercado de entorpecentes, portanto, é uma solução econômica que possivelmente não representará vantagem social.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
As filosofias políticas e o valor do amor

No áureo século XXI, enquanto os olhos do mundo se abrem ao exemplo de desenvolvimento chinês, os chineses tentam conciliar o projeto de Mao Tse-Tung com o ideal capitalista; mas, superar Confúcio, seria rejeitar o amor. O filósofo que viveu antes de Sócrates ensinou a seu povo as cinco virtudes capitais da humanidade: o amor a todos os homens sem distinção; a justiça que dá a cada qual aquilo que lhe cabe; a observação das cerimônias e dos usos estabelecidos a fim de que todos os que vivem segundo a mesma norma participem das mesmas vantagens e desvantagens; a retidão de ânimo e de coração, que leva a buscar em todas as coisas a verdade, ou desejá-la, sem se enganar e sem enganar a ninguém; e a sinceridade, isto é, o coração franco, que afasta toda dissimulação nos fatos e nas palavras.
O altruísmo de Comte talvez esteja escondido embaixo da linha imaginária que abraça a Terra na altura do Equador. A China, sem Confúcio, alimenta-se de toda a confusão de um sistema que enlata o amor em formato DVD. A Índia libertou-se de seus grilhões com a ajuda de Ghandi, mas hoje oferece sua fé quase que exclusivamente a ídolos religiosos. Com os hippies, os estadunidenses aprenderam a amar; mas nunca esqueceram a guerra. E quem se debruçar sobre a história encontrará outros indícios de que o valor do amor precisa ser restado sob pena de condenar à morte a intuição que sempre sustentou a condição humana. Transformemos, então, o amor em nossa principal bandeira!
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Os estigmas de um emergente

Na terra de Mao Tse-Tung, este é o ano do rato; período astrológico caracteristicamente marcado por poucas guerras e conflitos, menos catástrofes e excelentes resultados em negócios e investimentos à longo prazo. Mas os chineses estão dispostos a brigar, pois vencer os Jogos Olímpicos de Pequim é o caminho mais curto para disseminar, com a ajuda da propaganda, o discurso de que o país desenvolveu um sistema político-administrativo proporcionalmente complexo e poderoso. E, se tudo der certo, talvez o mundo até esqueça-se de que o maior país da Ásia cresce impulsionado pelos mesmos combustíveis que alimentaram a Revolução Industrial do século XIX: a fé no lucro do liberalismo econômico e as nuvens pretas do carvão e da impotência do trabalhador.
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
O presidente vazio
O discurso nacionalista do presidente Hugo Chávez apresenta-se superficialmente como um ícone idiossincrático. À bem da verdade, suas propostas político-administrativas são sensível e paradoxalmente definidas como neopopulistas ou bolivarianas. Mas a natureza relativa destes ensaios interpretativos é produto da escassez conceitual de referências básicas e universais. Enquanto político, portanto, Chávez não consegue despir a fantasia de artífice do arquétipo demagogo.
Profissionalmente comprometido com o projeto de converter-se em objeto de adoração nacional, no início do mês, o Chávez venezuelano protagonizou uma cena à altura do estilo trapalhão de seu homônimo mexicano. Aliás, preenchendo um espaço público destinado ao debate de questões relevantes à nação com a narração da dificuldade que enfrentou para administrar uma crise de diarréia, o presidente da Venezuela ofereceu ao mundo – talvez sem querer querendo – provas irrefutáveis de que realmente é um político física e ideologicamente vazio.
Profissionalmente comprometido com o projeto de converter-se em objeto de adoração nacional, no início do mês, o Chávez venezuelano protagonizou uma cena à altura do estilo trapalhão de seu homônimo mexicano. Aliás, preenchendo um espaço público destinado ao debate de questões relevantes à nação com a narração da dificuldade que enfrentou para administrar uma crise de diarréia, o presidente da Venezuela ofereceu ao mundo – talvez sem querer querendo – provas irrefutáveis de que realmente é um político física e ideologicamente vazio.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
A musa tecnicolor

A França rendeu-se a magia de uma paixão psicodélica. E a fonte desse sentimento é Carla Bruni, musa que calçou o vermelho-luxúria da fatal Brigitte Bardot, vestiu o branco-paz da eternamente elegante Jackeline Kennedy, e assumiu um amor todo-azul pelo Primeiro Ministro Nicolas Sarkozy, o erudito seduzido pelos prazeres do pop.
Condenados pelo matrimônio a altos níveis de popularidade internacional, o casal Sarkozy tem ótimos resultados a comemorar. Afinal, à Nicolas, o casamento serviu de escada para escalar pesquisas de opinião pública. À Carla, o enlace apresentou-se como o selo que conduziria o seu novo disco ao topo da lista dos mais vendidos da Europa em menos de 20 dias. E ao povo francês, a união viabilizou a materialização da única empatia que nutriam pelos eternos rivais estadunidenses através da possibilidade de consagrar um “indispensável” ícone político: a primeira-dama. Até agora, a italiana naturalizada francesa e o homem de seis cérebros só não agradaram aos colombianos, cujo orgulho nacional foi ferido pelas alusões à cocaína produzida no país em uma referência feita por Bruni na letra da canção “Você é minha droga”, na qual “homenageia” o amado.
Indiscutivelmente satisfeito, Sarkozy pode vangloriar-se por crescer politicamente ao acompanhar uma mulher de 40 anos que encanta pela honestidade de não esconder as sombras de seus 30 ex-amantes. E, se a comparação de sua amada com Jackeline Kennedy parece inevitável, por que não compará-lo ao próprio ex-presidente JFK, que em 1961, quando voltava de uma viagem à França, disse: “Eu sou o homem que acompanhou Jackie”. Pois hoje, na intimidade de seus pensamentos, Sarkozy deve intuir: “Eu sou o homem que acompanha Bruni”.
Condenados pelo matrimônio a altos níveis de popularidade internacional, o casal Sarkozy tem ótimos resultados a comemorar. Afinal, à Nicolas, o casamento serviu de escada para escalar pesquisas de opinião pública. À Carla, o enlace apresentou-se como o selo que conduziria o seu novo disco ao topo da lista dos mais vendidos da Europa em menos de 20 dias. E ao povo francês, a união viabilizou a materialização da única empatia que nutriam pelos eternos rivais estadunidenses através da possibilidade de consagrar um “indispensável” ícone político: a primeira-dama. Até agora, a italiana naturalizada francesa e o homem de seis cérebros só não agradaram aos colombianos, cujo orgulho nacional foi ferido pelas alusões à cocaína produzida no país em uma referência feita por Bruni na letra da canção “Você é minha droga”, na qual “homenageia” o amado.
Indiscutivelmente satisfeito, Sarkozy pode vangloriar-se por crescer politicamente ao acompanhar uma mulher de 40 anos que encanta pela honestidade de não esconder as sombras de seus 30 ex-amantes. E, se a comparação de sua amada com Jackeline Kennedy parece inevitável, por que não compará-lo ao próprio ex-presidente JFK, que em 1961, quando voltava de uma viagem à França, disse: “Eu sou o homem que acompanhou Jackie”. Pois hoje, na intimidade de seus pensamentos, Sarkozy deve intuir: “Eu sou o homem que acompanha Bruni”.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
As antíteses da coerência instrumental

Os sérvios, por sua vez, refletiram os pujantes raios da democracia ocidental com o processo de investigação que culminou na prisão de Radovan Karadzic, o genocida que governou a Bósnia no quadriênio 1992-1996, e atualmente vivia na capital Belgrado sob a identidade falsa de um especialista em medicina alternativa que ensinava técnicas de relaxamento. O julgamento deste psiquiatra, poeta e ex-líder que armou o cerco a Sarajevo no início dos anos 1990, e manteve dezenas de campos de concentração sob a justificativa de promover a “limpeza étnica” da atual Sérvia, atende a uma antiga exigência da União Européia, bloco político-econômico do qual alguns pequenos países da Europa ainda não participam. Em verdade, tal exigência da U.E., ao estabelecer uma condição de negociação desequilibrada e estrategicamente hipócrita, serve para descredenciar os países pouco desenvolvidos através da comprovação de ineficácias administrativas. Mas a Sérvia surpreendeu. E, se Karadzic for entregue ao Tribunal Internacional de Justiça, o jovem país dará um firme passo simbólico no sentido da consagração do regime democrático de direito. E, neste projeto, o próprio Karadzic, enquanto prisioneiro de guerra, assume o papel de instrumento político-administrativo. Afinal, em uma demonstração de eficiência, o novo regime superou as velhas técnicas opressoras do antigo líder desencadeando um processo de captura coerente até no emprego dos dispositivos utilizados para conter os manifestantes pró-Karadzic – a da defesa contra a força do ataque sob a justificativa da manutenção da ordem.
terça-feira, 15 de julho de 2008
O império contra-ataca

Pela natureza eminentemente empresarial, a nova gigante deve reforçar as alianças com o lucro nos países subdesenvolvidos, mercados onde os vinhos ainda não atraem tanto quanto as loiras geladas. E, como os súditos brasileiros foram apadrinhados pelos paradoxos, a maior cervejaria do mundo possivelmente não encontrará dificuldades para continuar crescendo e enchendo o baú de tesouros no país onde atualmente os motoristas devem submeter-se à tolerância zero do consumo de álcool. Seria este o fruto de uma democracia do sinal verde? Talvez! O certo é que a indiferença continua conduzindo a maioria das campanhas empresariais de responsabilidade social à economia do vermelho.
A autonomia de grande parte dos motoristas brasileiros ainda encontra-se sob a tutela de um dos dois senhores feudais que administram o fértil território: o álcool ou o Estado. Pelas conveniências, a ligação entre interesses políticos e empresariais nem sempre privilegia a legítima independência cognitiva, portanto, cabe aos consumidores promover uma nova e opulenta revolução renascentista. E não será preciso boicotar o consumo; apenas os excessos.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Fome 10; moral 0
O resultado parcial da operação Satiagraha – a prisão e a reincidente liberação de 16 cidadãos brasileiros suspeitos de corrupção e/ou lavagem de dinheiro investigados pela Polícia Federal – é um vaidoso retoque à maquiagem do sorriso petrificado que emudece a vontade geral do modelo administrativo de federação em que o tempero da união é o silêncio. No cardápio deste país, todos os sabores da justiça são servidos em fartos rodízios, e o habeas corpus sempre é o prato principal de quem freqüenta os restaurantes finos, ambientes onde a impunidade – vendida a quilo – é uma sobremesa doce e barata.
O menu midiático nacional oferece doses diárias de apetitosos relatos de corrupção enlatados no vácuo de toda a sua complexidade. Mas quem paga a conta pela amarga condescendência do judiciário com a receita da elite é o povo. E a inflação do plano econômico “sensação de impotência Real”, que desvaloriza o câmbio dos cumprimentos aos bons garçons do judiciário, ironicamente sustenta o mercado dos cozinheiros do Supremo Tribunal Federal. E diante da baixa oferta de punição para consumidores do Tipo A, o hábito alimentar de engolir a seco constitui-se no nutriente básico do letárgico quadro clínico do civismo nacional. Afinal, é difícil reivindicar com a garganta arranhada e os ouvidos irritados pelos gritos da barriga. E talvez seja por isso que os argentinos batem em panelas!
O menu midiático nacional oferece doses diárias de apetitosos relatos de corrupção enlatados no vácuo de toda a sua complexidade. Mas quem paga a conta pela amarga condescendência do judiciário com a receita da elite é o povo. E a inflação do plano econômico “sensação de impotência Real”, que desvaloriza o câmbio dos cumprimentos aos bons garçons do judiciário, ironicamente sustenta o mercado dos cozinheiros do Supremo Tribunal Federal. E diante da baixa oferta de punição para consumidores do Tipo A, o hábito alimentar de engolir a seco constitui-se no nutriente básico do letárgico quadro clínico do civismo nacional. Afinal, é difícil reivindicar com a garganta arranhada e os ouvidos irritados pelos gritos da barriga. E talvez seja por isso que os argentinos batem em panelas!
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Lei Seca: uma boa idéia?

Adotada pelo casal Estado/Nação, que vive um relacionamento aberto – democraticamente fantasioso –, a Lei Seca cresceu com a referência negativa de pais que já não discutem as crises da relação. As "brigas" pelo bem comum, que já foram freqüentes, aos poucos cedem espaço à indiferença dos pródigos filhos – os cidadãos –, que, à revelia do papel de conceitos transcendentais de convivência social, amadurecem cedo ao sol das virtudes tortas de interesses particulares. E é travestindo-se de rebento que a Lei Seca pretende gozar de toda a estrutura tropicalmente adaptada de um doce lar da zona sul do Equador: o Brasil.
À bem da verdade, para amadurecer, esta já famosa lei precisa confiar menos na propaganda – notícias que a encaram positivamente como a verdadeira artífice da mudança cultural –, e crer incondicionalmente no milagre do resgate de valores da educação e da família, aceitando que os frutos do processo de mudança, por prudência, devem ser colhidos por todos os lavradores, e que o prazo deste tipo de cultivo é naturalmente longo.
Sozinha, afinada com os mecanismos de opressão, fria aos apelos de um contexto politicamente confuso, e distante de um aparato instrumental capaz de estimular a pureza da responsabilidade – como a filosofia da educação –, a Lei Seca perde a chance de ser melhor! Estatisticamente, seus resultados agradam. Mas o que ainda incomoda os espíritos verdadeiramente democráticos é a metodologia, fundada pela triste necessidade da vigilância integral. Fator que, embora não justifique um movimento de reivindicação pelo seu fim enquanto dispositivo, choca justamente por denunciar uma realidade onde a maturidade da autonomia dos deveres sociais ainda é julgada – e não desenvolvida – pela dinâmica de um Estado que multiplica seu poder omitindo-se do legítimo papel de estimular a emancipação dos sujeitos. E é esta disfunção, aliás, quem alimenta as justificativas à resistência de opor-se à lei simplesmente para garantir o direito de dirigir após beber; atividades cuja “coligação” é naturalmente condenada pela lógica.
À bem da verdade, para amadurecer, esta já famosa lei precisa confiar menos na propaganda – notícias que a encaram positivamente como a verdadeira artífice da mudança cultural –, e crer incondicionalmente no milagre do resgate de valores da educação e da família, aceitando que os frutos do processo de mudança, por prudência, devem ser colhidos por todos os lavradores, e que o prazo deste tipo de cultivo é naturalmente longo.
Sozinha, afinada com os mecanismos de opressão, fria aos apelos de um contexto politicamente confuso, e distante de um aparato instrumental capaz de estimular a pureza da responsabilidade – como a filosofia da educação –, a Lei Seca perde a chance de ser melhor! Estatisticamente, seus resultados agradam. Mas o que ainda incomoda os espíritos verdadeiramente democráticos é a metodologia, fundada pela triste necessidade da vigilância integral. Fator que, embora não justifique um movimento de reivindicação pelo seu fim enquanto dispositivo, choca justamente por denunciar uma realidade onde a maturidade da autonomia dos deveres sociais ainda é julgada – e não desenvolvida – pela dinâmica de um Estado que multiplica seu poder omitindo-se do legítimo papel de estimular a emancipação dos sujeitos. E é esta disfunção, aliás, quem alimenta as justificativas à resistência de opor-se à lei simplesmente para garantir o direito de dirigir após beber; atividades cuja “coligação” é naturalmente condenada pela lógica.
quarta-feira, 9 de julho de 2008
À luz da força

A frase “a voz do povo é a voz de Deus”, de autor desconhecido, certamente nasceu sob o signo da democracia representativa. Portanto, podemos intuir que ela não existia antes do século XVII, a exemplo da fotografia. Enquanto discurso, no entanto, o fisicamente silencioso produto da máquina, ao subverter-se à idéia de representar a história em fragmentos, acostumou-se a ecoar berros políticos. Historicamente, foi na batalha de Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial, que a imagem revelou aos Aliados o potencial bélico da estética. E a mensagem do impacto causado pela representação do hasteamento daquela bandeira estadunidense em solo nipônico é muito simples: uma imagem vale mais do que mil palavras porque o poder tende a converter-se em recompensa para o incansável esforço de esconder-ser à luz.
A famosa foto de Joe Rosenthal, que rendeu um prêmio Pulitzer, não é o registro instantâneo de um momento histórico, mas uma produção artística com forte apelo político. Na verdade, Joe registrou o momento em que, por convenção, os soldados espontaneamente hastearam a bandeira dos Estados Unidos. Mas o tenente-coronel que comandava a tropa decidiu repetir o ato de hasteamento utilizando uma bandeira maior. E Joe e os soldados prontamente acataram a ordem, que tinha dois objetivos políticos: potencializar o discurso estadunidense – através de futuras propagandas de guerra –, e elevar a moral dos soldados que combatiam na ilha asiática. Naquele momento, a foto, através da encenação, transcendeu o seu caráter meramente instrumental de canal de comunicação, assumindo a postura de uma arma de guerra.
No século XXI, a necessidade de adaptação ao ambiente de constante desenvolvimento tecnológico, marcado pela onipresença dos instrumentos a serviço dos veículos de comunicação, forçou os grupos de interesse a promover a renovação das técnicas de conflito, instituindo, como principal dispositivo, a representação doutrinária. Mecanismo, aliás, muito utilizado por grupos contestadores e revolucionários, como o libanês Hamas, que, em abril de 2008, promoveu uma marcha de jovens militares; crianças que empunhavam armas de brinquedo na defesa iconográfica de um modelo político-administrativo potente em sua complexidade. E o ataque daqueles pseudo-soldados ao modelo político ocidental resume-se à conveniente relativização de valores básicos e absolutos – como os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade –, que atende a necessidade de sensibilizar a opinião pública. Esta é, portanto, uma guerra eminentemente mediada e simbólica; um modelo conceitual de conflito que nasceu na Segunda Guerra Mundial, cresceu durante a Guerra Fria, e hoje, amadurecida, instrumentaliza a função social da ideologia e da ética, operacionalizando a demagogia à luz da força midiática.
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